Quinta-feira, 24 de abril de 2025Sobre nósFale conosco

Início

Notícias

O que significa colecionar experiências?

O que significa colecionar experiências?

Um ponto muito importante para que a experiência ocorra é a disponibilidade de tempo

Por: Francisco Neto Pereira Pinto

29/12/202408h35Atualizado

Não queremos apenas a vida vivida, queremos experiências! 

Hoje é bastante comum em postagens nas redes sociais, como por exemplo no Instagram, encontrarmos a expressão colecionando experiências, geralmente empregada como legenda para um álbum fotográfico em que cenas tidas como marcantes para aquela pessoa são registradas. A ideia é sublinhar que os momentos vividos se destacam do comum do dia a dia - foram especiais, dignos de um capítulo especial na história do autor da postagem. Mas, o que significa viver uma experiência?

A diferença entre o vivido do dia a dia e uma experiência pode ser visualizada por meio de uma estória muito interessante chamada Uma ideia toda azul, de Marina Colasanti. Esse conto narra a história de um rei que teve uma ideia maravilhosa e completamente azul, algo tão magnífico que poderia transformar o reino. No entanto, o rei estava constantemente ocupado com os afazeres do reino e, por isso, nunca encontrava tempo para se dedicar a essa ideia especial. Ele se ocupava com reuniões, conselhos e tarefas administrativas, sempre adiando o momento de explorar sua ideia azul. Com o passar do tempo, a ideia permaneceu intocada e não realizou seu potencial transformador. 

O rei não sentia real prazer com essas tarefas – eram apenas afazeres, nada realmente significativo que outra pessoa não pudesse fazer. No nosso dia a dia qualquer vivência pode se transformar em uma experiência, basta que ela tenha potência suficiente para nos fazer querer falar dela, se ocupar com um real interesse. Para o filósofo Walter Benjamim, a experiência está ligada à ação de transmitir algo a alguém por meio de uma narrativa. Isso acontece, por exemplo, quando um pai deseja transmitir alguma sabedoria a seu filho, contando-lhe uma estória, que pode ser sua ou de seus ancestrais.

Um ponto muito importante para que a experiência ocorra é a disponibilidade de tempo. A experiência não é tarefeira. Como se observa no conto, o rei estava empanturrado de tarefas, e não tinha tempo para dar atenção à sua ideia toda azul. Nesse sentido, a psicanalista Maria Rita Kehl diz que uma vida veloz, em que a gente passa de uma tarefa a outra, sem tempo para digerir o que nos acontece, tem sido o terreno fértil para a depressão. O viver fica mecânico e, assim como rei, a gente não tem tempo de dar atenção ao que nos acontece, e vamos vivendo sem vontade e tempo de contar. Talvez, em um álbum do Instagram, a única coisa que fica sejam mesmo as fotos, porque não tivemos tempo para apreciar o local, de interagir com as pessoas – não tivemos tempo para transformar aquelas vivências em experiências. O registro fica nas redes sociais, mas não na memória, no afeto, no corpo.

Quando a grande estória da nossa vida acabar, será que teremos, de fato, pequenos episódios – experiências de vida, que terão valido a pena viver e contar, ou seja, teremos mesmo colecionado experiências?

*Francisco Neto Pereira Pinto é professor universitário, psicanalista e escritor. Autor dos livros ‘À beira do Araguaia’; ‘Saudades do meu gato Dom’, ‘O Gato Dom’ e ‘Você vai ganhar um irmãozinho’, todos disponíveis na Amazon. 

artigo
Banner