A última bênção de Francisco; leia artigo do jornalista Marco Túlio Câmara
Francisco foi o papa mais cristão na íntegra do seu sentido. Serviu, amou, respeitou
Por: Marco Túlio Câmara*
22/04/2025 • 09h14 • Atualizado
Não teria como ser outro assunto. Não é que a morte do papa Francisco tenha pegado alguém totalmente de surpresa, mas depois da aparição e das falas fortes durante a Semana Santa, a esperança de tê-lo nesse plano terreno se intensificou. Francisco falava para multidões, mas tocando o coração de cada um. Pregava em praça pública, mas aqui do interior do Brasil era possível sentir sua presença, sua luz, sua energia, sua fé, sua entrega. Era como se tivesse falando olhando nos nossos olhos, pegando a mão estendida ou rindo de canto de boca ao avistar um cachorro.
Essa descrição não é romantizada nem irreal. Das inúmeras imagens do papa nesta segunda-feira, algumas chamaram minha atenção. Destaco, aqui, duas: o carinho no cachorro e a homilia durante a pandemia de Covid-19.

Foto: Reprodução
A foto é de janeiro deste ano, quando o pontífice recebeu artistas de circo. O registro imortaliza o papa brincando com um cachorro da trupe. Leve, sorridente, surpreso com a arte ali à frente, Francisco mostrava o que ele sempre demonstrou nesses 12 anos de papado: era humano. Daqueles que se impressiona e se emociona ao ver uma manifestação artística, que sorri ao brincar com um cachorro e que acolhe uma criança que ainda não consegue verbalizar tudo o que deseja, que consola e compreende, como remete a oração de São Francisco de Assis- não à toa, o protetor dos animais.

Foto: Reprodução
Em meio à maior pandemia do século, a imagem do papa Francisco atravessando a praça São Pedro vazia em março de 2020 me arrepia até hoje. Ali não havia pompa, não havia luxo, não havia estrelismo. Naquela bênção, além de valorizar profissionais da saúde e tantos outros trabalhadores do cuidado e do serviço, Francisco destacou a doença do mundo, que não era somente o vírus. Francisco chamava atenção para o que mais importa: o ser humano. Não tinha dinheiro que comprasse a cura, não tinha fortuna que dispensasse o cuidado, não tinha luxo que se sobrepusesse ao básico da vida. Em oração, em silêncio, com as mãos de bênçãos estendidas, o silêncio gritou, o vazio nos preencheu. Não somente de tristeza, mas de realidade. Não somente de pedidos, mas de gratidão pela vida. Ao nos dar a bênção inédita, Francisco recebeu a esperança. Ao oferecer perdão, voltou-se para si como humano.
E é essa mesma emoção no olhar, a humanidade no agir e o consolo do abraçar que Francisco também se posicionava frente às minorias sociais. Não que fosse considerado um aliado das pautas, mas se pronunciou inúmeras vezes pela paz, pelo fim do genocídio, pelo fim das guerras. Mais que isso, posicionava pela humanidade, pelo perdão, pelo amor ao próximo - não seria esse o principal fundamento que deve reger as pessoas cristãs?
Jorge Mario Bergoglio foi instrumento de paz. Entre povos e famílias, entre nações e parentalidades, Francisco pregava o respeito de ser quem se é, de se escolher quem quisesse para amar. Como na oração, levou amor, perdão, união, fé. A ofensa não deixou de existir, a discórdia continua operante no mundo e a dúvida é o que rege os seres humanos. Mas Francisco era uma fagulha de esperança no mundo do desespero, uma dose de alegria em um ambiente carregado de tristeza.
Francisco era luz. Essa mesma luz que ele foi seguir na madrugada desta segunda-feira. Essa mesma luz que afaga o coração do solitário, que orienta o caminho do desamparado, que estimula a fé do desesperançado. Francisco viveu a oração, e aqui não falo de reza. Ele nos ensinou sobre amor ao próximo, sobre respeito, humanidade e igualdade. Valores que muitas pessoas que se dizem cristãs são incapazes de exercitar, pois se incomodam de ver pessoas livres e em paz.
A mesma paz que Francisco representa(va). O tempo verbal não pode ser no passado. Porque se é morrendo que se vive para a vida eterna, a luz de Francisco continua acesa. Eternamente.
Marco Túlio Câmara é jornalista, escreve quinzenalmente neste espaço. Também é professor do curso de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade da UFT. Doutor em Linguística Aplicada pela Unicamp, é autor de “Entrelinhas” e dos livros “Gestão de Conteúdo para Mídias Sociais” e “Planejamento Integrado de Comunicação”.