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O conclave e a cor da fumaça em 2026

O conclave e a cor da fumaça em 2026

A religião não define o voto, mas organiza sentidos

Por: Maurício Carvalho*

27/04/202508h50Atualizado

Como no livro e no filme homônimos, o Conclave que escolherá o sucessor do papa Francisco marcará mais do que o fim de um pontificado. Em tempos de colapso das grandes narrativas, a figura do papa transcende a religião institucional - ocupa ainda um lugar simbólico, afetivo, político.

No Brasil, esse reflexo tem contornos próprios. Segundo o IBGE de 1991, os católicos representavam 83% da população. Em 2010, o percentual caiu para 64,6%. Já em 2022, estranhamente, o Instituto não informou dados sobre religião. Naquele ano, o Datafolha apontou 49% de católicos, confirmando a tendência de queda.

Na contramão da ladeira, os evangélicos avançam sobre as engrenagens políticas e a população, obtendo 31% de fiéis no Brasil. Ainda assim, a figura do papa segue como referência moral para muitos - inclusive ex-católicos.

A religião não define o voto, mas organiza sentidos: atua no afeto, na linguagem, na percepção do aceitável. E é aí que sua força opera. Segundo o Pew Research Center, 72% dos brasileiros dizem que a religião é “muito importante”. No entanto, essa devoção não se traduz em submissão: enquanto 45% apoiam que líderes religiosos influenciem decisões políticas, 56% (Datafolha/2022) rejeitam que digam em quem votar. O Brasil é devoto, mas desconfiado.

Nesse contexto ambíguo, o papado de Francisco simbolizou um cristianismo do cuidado e da inclusão. Mas o que mais cresceu aqui foi o cristianismo do combate: antiaborto, antidiversidade, antioutro. 

Não é só disputa teológica. Também é disputa de linguagem e apropriação política da fé: a Igreja Católica fala de cima para baixo. O pentecostalismo, de baixo para cima. O catolicismo oferece sentido; o pentecostalismo, presença. Onde um propõe cuidado, o outro promete vitória.

Entretanto, mesmo em declínio numérico, o catolicismo segue estrutural no Brasil - como o machismo e o racismo. Sua herança molda o vocabulário da justiça, da compaixão, da autoridade e da obediência. Em um país onde 72% ainda se declaram cristãos, ignorar o papel da religião é erro estratégico. 

Nesse cenário, a escolha do novo papa terá efeitos que vão além do Vaticano. Entre os progressistas, circulam nomes como Luis Antonio Tagle e Matteo Zuppi. Entre os moderados, Pietro Parolin e Pierbattista Pizzaballa. No conservador, Péter Erdő e Raymond Burke. Um papa progressista poderá fortalecer pautas de inclusão. Um conservador poderá legitimar projetos centrados em tradição e autoridade. Um moderado manterá a tensão aberta - e o impacto dependerá da recepção local.

O campo progressista afastou-se da linguagem da fé. Cedeu espaço à extrema-direita, que o ocupou com disciplina emocional. Reverter isso não exige púlpito, mas escuta e narrativa.

Nas eleições de 2022, Lula venceu entre católicos (57%) e Bolsonaro entre evangélicos (65%). Lula teve apenas 31% dos votos evangélicos. A margem final foi estreita, não custa lembrar.

Quando a fumaça subir da Capela Sistina, o que importará será o tipo de calor que a gerou: conciliação ou confronto? Tradição ou renovação? Justiça ou autoridade? Por isso, atenção: a fumaça será branca - mas poderá dar outras cores ao imaginário das eleições brasileiras.

*Maurício Carvalho é publicitário e estrategista de marketing político

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